23 de fevereiro de 2013
CRIME E INTIMIDADE
CRIME E INTIMIDADE
O direito de os acusados permanecerem em silêncio está além de simples salvaguarda da autoacusação.
É o próprio Código de Processo Penal que produz essa indicação quando oferece ao acusado dois momentos para esclarecer o fato: o interrogatório e a confissão, momentos que na prática não são distinguidos pelos atores processuais.
Meu tempo como promotor de justiça demonstrou o quanto raro era ver um acusado sendo interrogado após ter sido orientado pelo seu defensor, seja por este desconhecer que podia dar a orientação, seja pelas dificuldades da defesa dativa de acusados presos.
Presente aos interrogatórios sempre indaguei se o acusado já havia tido contato com um Advogado e, na negativa, requeria fosse dada a oportunidade, mesmo menor, como a de aconselhar-se com um causídico em curso pelos corredores do fórum, e o fazia mesmo antes da Constituição de 88, em nome da garantia de defesa (não revelar o que dos autos não consta quando interrogado) e na tutela da intimidade (confissão).
O fato penal pertence ao mundo da realidade e nesse mundo a acusação se apropria das circunstâncias típicas e pode concluir pela existência do fato típico e da culpa para a denúncia (não há crime sem culpa), mas o que move o acusado pertence ao seu "mundo interior", ou intimidade, e esta é inviolável, é o segredo sobre o qual o próprio acusado guarda sigilo.
Quebrar o sigilo e revelar o segredo é ato próprio, personalíssimo, íntimo, ao qual nem o defensor pode induzir, é a confissão, e a confissão deve ser sempre espontânea, monóloga, diferentemente do interrogatório que é provocado, dialógico.
Conquanto possa o acusado ser instigado a revelar o que dos autos não consta, não deve responder, e se quiser responder deve estar orientado pelo seu defensor para pedir a oportunidade de confessar, e a confissão deve ser apenas ouvida e registrada, jamais interrompida com indagações.
Réu é coisa sagrada (reu res sacra est) e o respeito ao sagrado é devido - e protegido - até o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Desta sorte, o direito ao silêncio não se esgota na boca fechada, mas se estende ao direito de não ser exposto como sujeito criminoso durante os atos procedimentais singulares ou colegiados.
O processo penal é, de regra, público, mas a "persecutio criminis" é a perseguição do crime e não a perseguição do criminoso.
Estar presente aos atos judiciais é um direito inerente à defesa pessoal e não uma injunção do procedimento, logo, não deve faltar a oportunidade mas deve estar ausente - e longe - a coerção.
Mesmo antes da Carta de 88, como promotor de justiça, contestava a legalidade do "banco dos réus", e muitos casos criei até que o acusado tivesse assento junto do seu Advogado, e nem polícia eu admitia no plenário se o acusado tivesse respondido em liberdade.
Ainda como promotor defendi o direito de o acusado não estar presente ao julgamento pelo júri se, aconselhado pela defesa, assim o desejasse, e podia ficar até em casa aguardando o resultado, dada a completa ausência da necessidade de medidas cautelares para assegurar a prisão após decisão condenatória.
A fuga é o último guardião da liberdade e nem a morte é empecilho para tentá-la.
Não ser exposto ao público - e muito menos à mídia - é um direito que os defensores devem proteger, disto só abrindo mão por desejo de seu defendido ou se sua tática exigir a presença dele, e a acusação não tem o direito de explorar a ausência do acusado em seu desfavor, sob pena de estar violando a intimidade.
A intimidade é absolutamente inviolável, e nada justifica coerção para expor o acusado como o "cofre que guarda o segredo" estimulando que, quem vê o cofre possa produzir as ilações que a aparência da pessoa sugere ou que a mídia sugeriu.
É do governo-judicial que deve partir o exemplo de que ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e isto inclui respeitar aqueles que apenas aparentemente não merecem respeito.
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