Acidente é o evento inesperado e cuja ocorrência não é desejada.
No trânsito vige o princípio da confiança que consistem em cada condutor confiar que estando cumprindo as regras e cuidados objetivos todos os demais também estarão.
Conquanto não aparente, o sistema de trânsito (vias, veiculos, pedestres, sinalização etc.) é altamente complexo e a complexidade pode aumentar por concorrência de fatores climáticos (chuva, neblina etc.) e variações de luminosidade.
Seja um condutor no padrão desejado de confiança e cuidado objetivo e um sistema que esteja dentro do grau de complexidade mínimo, inerente, e ainda assim existirá um risco mínimo, inerente, de um evento inesperado e não desejado que seja causado por um somatório de desvios que são pertinentes à própria natureza das coisas, dado não existirem a perfeição absoluta nem o erro zero.
Assim, é possível prever a probabilidade de ocorrência de acidente, mesmo que seja na mesma proporção de acertar as dezenas da mega sena.
Se uma aposta mínima na mega sena for comparada com um 'desvio' pode ser concluído que quantos mais apostas forem feitas maior a probabilidade de acertar uma delas (acidente).
A comparação serve apenas para mostrar que quanto mais desvios um condutor cometer maior a probabilidade de acidente, e se um número grande de condutores se desvia a probabilidade aumenta.
Um condutor 'padrão' aumentará o cuidado objetivo sempre que as circunstâncias não forem favoráveis ao princípio da confiança.
Muitos apostadores passam anos seguidos jogando as mesmas seis dezenas sem que as acerte e isto faz parecer que "comigo não acontece".
O que acontece, na verdade, é que o condutor cria riscos com sua conduta desviante crendo ser capaz de manter tais riscos sob seu domínio, evitando o acidente. Entre o crer ser capaz e ser capaz efetivamente (perito) está o salto da culpa inconsciente para a culpa consciente.
Pode acontecer, porém, que a conduta desviante consista em práticas que por sua natureza afetam o domínio da direção e que podem ser, grosso modo, classificados em duas categorias:
1) o desvio tem causa na externalidade, como no caso de um evento que atrai a atenção do motorista;
2) o desvio tem causa na internalidade, como no caso de uso de telefone celular, sintonia de rádio, diminuição da capacidade por embriaguêz, motivação do desvio etc.
Será culpa inconsciente o desvio em relação a regra ou cuidado que tenha causa razoável, como um "vacilo" diante da mudança no semáforo, ou excesso de velocidade nestes carros silenciosos e climatizados que não "transferem" para o condutor a sensação de deslocamento.
Será culpa consciente o desvio "razoável" quando o condutor for perito (certificado) capaz de compensar o aumento do risco com suas habilidades especiais, como no caso de manobras vistas como perigosas mas que estão sob absoluto controle do "piloto".
Não será culposo quando o condutor deliberadamente desviar-se da regra ou cuidado por uma causa que não seja "razoável", visto que não pertence ao universo de opções do sistema, e isto pode ser a simples pressa de chegar ao estabelecimento bancário para pagar uma conta de energia.
O exemplo do parágrafo anterior pode ser analisado do ponto de vista do balanço de valores entre o risco de pagar a multa da conta e o risco de causar dano a coisas ou pessoas, e o "acidente" será um evento "arriscado" embora não desejado, e é nisto que mora o dolo eventual.
O sistema de trânsito é administrado para privilegiar os veículos e tanto isto é verdade que não existem práticas para diminuir, por exemplo, o congestionamento de pessoas, sejam pedestres ou passageiros de transporte coletivo.
Possuir um veículo automotor já é coisa comum - o que não era no passado - mas a "doutrina" pertinente não evoluiu, qual seja: tanto o pedreiro com seu fusquinha quanto o colarinho branco com seu mercedez podem entrar na zona do risco aumentado e causar resultado, logo, é necessário, de algum modo, doutrinar para proteger as "elites", visto que são elas que constróem os tipos penais, como diz o Doutor Pedro Sergio dos Santos, meu dileto amigo.
Ora, ora, para que meter na cadeia o "elítico" que atropelou e matou enquanto se divertia com seu bólido, afinal, ele é um importante partícipe da cadeia econômica! Mas "lascar" com o pedreiro do fusquinha é necessário para dar exemplo para outros pedreiros, afinal, entre o emprego e o desemprego ele é substituível.
Quem não quiser acertar na mega sena que não jogue, mas se jogar e acertar é responsável pelo resultado ao qual se "arriscou".
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