6 de agosto de 2012

A ARMADILHA DA OBJETIVIDADE


A Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Penal, Parte Geral, define:

Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Parágrafo único. Não há pena sem culpabilidade.

A novidade do parágrafo é explicada:

"Não há pena sem culpabilidade. A primeira inovação digna de nota na Parte Geral vem logo no artigo 1º. Após repetir a tradicional fórmula que vem desde o Código Criminal do Império – não há crime sem lei anterior, nem pena sem prévia cominação legal - adotada por igual pelo artigo 5º da Constituição Federal, a proposta sugere o acréscimo de parágrafo dizendo que “não há pena sem culpabilidade”. Consagra-se, deste modo, o Direito Penal do fato e da culpabilidade, infenso à responsabilidade objetiva e à condenação do ser ou do modo de ser da pessoa. É o fato, medido sob a régua constitucional da proteção dos bens jurídicos, anteriormente definido em lei, que pode sujeitar alguém à responsabilização, na medida de sua reprovabilidade."


Os anteprojetistas falam em Direito Penal do fato e da culpabilidade e em medida da reprovabilidade, mas o importante é que a expressão "não há pena sem culpabilidade" define a culpabilidade como determinante da pena, como sempre defendi, e tal definição repercutirá, inexoravelmente, onde a culpabilidade aparecer no texto.

Mais adiante propõe:

Art. 38. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

E explicam:

"Concurso de pessoas. A proposta mantém o consagrado nome “concurso de pessoas”, ao invés de “concurso de agentes”, que disputa o batismo do fenômeno da pluralidade de concorrentes para o crime. É que “agente” traz notícia de comportamento comissivo, em oposição a “omitente”. Foi mantida a fórmula tradicional segundo a qual “quem concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, própria da teoria monista mitigada (vários concorrentes, um só crime, mas a sanção penal variará de acordo com a culpabilidade individual)."

Em destaque o texto entre parenteses, com acento na culpabilidade individual (medida da reprovabilidade ou medida da culpabilidade), e anoto que a referência à "culpabilidade individual" está sendo entendida por mim como culpabilidade atribuída pelo "reprovador", dado que se pertencente ao indivíduo o anteprojeto cairia no tipo do autor, que rejeitou expressamente.

Para concretizar a proposta alteraram as circunstâncias judiciais:

Art. 75. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos motivos e fins, aos meios e modo de execução, às circunstâncias e consequências do crime, bem como a contribuição da vítima para o fato, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

E explicaram:

"A objetivação das circunstâncias judiciais. A proposta retira do espaço de cognição judicial, para fins de dosimetria da pena, aspectos subjetivos como a conduta social e a personalidade do agente. A conduta social porque permitia valorações de cunho moral ou de classe ou estamento social. Já a personalidade do agente se apresentava como de dificílima aferição pelo julgador, pois o processo crime raramente traz tais indicativos psicológicos que permitissem um exame acurado. A retirada destes elementos de grande subjetividade condiz, além de tudo, com o Direito Penal do fato, e não do autor. A proposta é prestigiar as circunstâncias do fato criminoso e a conduta do agente, como grandes elementos para o encontro da pena individual. Daí a menção aos fins, meios, modo de execução e consequências do crime. Isto há de permitir ao julgador exame apropriado da gravidade do fato e da culpabilidade do agente, evitando majorações ou diminuições com base na personalidade ou vida social daquele. O “comportamento da vítima”, mencionado na 251 lei atual – e também permeável a avaliação subjetiva da conduta de quem suportou o crime (e nem teve direito ao devido processo!) foi, na proposta, substituído por sua contribuição para o fato. A vítima é trazida, de toda forma, como sujeito de direitos no processo crime, posto que os danos por ela suportados deverão ser analisados pelo juiz para as escolhas de sanção.
..."

Ao propor a objetivação das circunstâncias judiciais os anteprojetistas criaram uma armadilha, vez que explicam que as circunstâncias do crime é um dos grandes elementos para o encontro da pena.

O tipo penal é bifronte: a descrição aponta para o fato e a sanção aponta para o indivíduo e, decerto, por se tratar de um par necessariamente implicado, a gravidade da sanção reflete a gravidade do crime, por exemplo: matar alguém é grave e a sanção reflete isto. Porém, como não existe a possibilidade de matar mais ou matar menos, a gravidade do crime é uma só, a morte da vítima, sobrando que a pena variará dentro da faixa de sanção por conta da "culpabilidade individual".

Encontrar motivos e fins, meios e modos de execução e circunstâncias e consequências do crime que não estejam contidos no círculo do tipo não será fácil - como não o é no CP vigente - e se encontrados e trazidos à conta do encontro da pena o julgador estará violando o princípio da reserva legal dado que tais não tem tipicidade nem sanção definidas anteriormente.

Durante duas décadas, pelo menos, bati forte na tecla de que, excluída a culpabilidade as demais circunstâncias usadas na dosimetria não implicam em sanção, mas apenas em flexão da pena apontada pela medida da culpabilidade.

Introduzindo as circunstâncias não típicas do fato criminosos na dosimetria da pena como geradoras da sanção que é prevista no tipo, além da violação do princípio da anterioridade e definição, o julgador se postará na boca da armadilha: o crime é máximo e a culpabilidade mínima ou o crime mínimo e a culpabilidade máxima poderão resulta na mesma pena base, e isto destrói a determinante prevista no parágrafo único do art. 1º, e orienta os julgadores para o "julgamento do fato" como resposta do poder jurisdicional esperada pela sociedade "objetiva".

Novamente o Direito Penal aparece com uma proposta de "eu vou" em relação à individualização da pena pela culpabilidade, mas desta vez estabeleceu os mecanismos de "não vou", e acontecerá como na reforma de 84: não veio.

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