20 de julho de 2012
O MP PODE INVESTIGAR
Ainda em debate se o Ministério Público pode ou não promover investigação criminal.
Ao cuidar do inquérito policial o Código de Processo Penal usa o termo "indiciado" para aquele que está sendo investigado.
Indiciado tem a ver com indício, conforme o Código de Processo Penal:
Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
O inquérito policial que começa com um indiciado (circunstância conhecida) termina com um indiciado (circunstância induzida) e não mais do que isto, sob pena de invadir a esfera de atuação do promotor de justiça, inclusive quanto à capitulação.
O indiciado passa para a categoria de denunciado sem que o inquérito policial sofra qualquer alteração, em regra.
O conteúdo do inquérito policial e as metodologias investigatórias empregadas não são estranhas ao promotor de justiça, visto que se não souber com o que está lidando será um simples "acatador" de inquéritos.
Antes de 1988 a figura do acusador oficial impedia que o promotor de justiça investigasse aquele que denunciaria dada a existência de uma parcialidade lógica. A Carta de 88 transmutou a figura do acusador para a de "garante" do devido processo legal, conforme o mandato implícito no art. 127, então, garantir a ordem jurídica e o regime democrático é a "fé" do promotor, de onde pode ser deduzido que a imparcialidade (sentido lato) é o principal atributo do promotor, devendo esse garantir por si e por outros que o conteúdo investigatório seja obtido de forma irretocavelmente lícita.
A polícia judiciária simplesmente não tem o mandato de garantia do devido processo legal, tem apenas o dever de obediência, bastando-lhe ser fiel.
Entre fiel e garante a diferença é que o segundo corrige o primeiro e também o correge por força das atribuições legais.
Dizer que quem pode o mais pode o menos é raso quando se tem em conta que o titular da ação penal é quem melhor sabe do que necessita para atingir seu objetivo, não sendo de mínima razoabilidade admitir que deva o promotor trabalhar exclusivamente com o que a polícia judiciária lhe forneça, bastando atentar para o fato de que enquanto o investigador produz uma proposição penal de possibilidade (é possível que o crime exista e o indiciado seja o autor) o promotor produz uma proposição penal de probabilidade (pretende provar que o crime existe e o indiciado é o autor) que será submetida ao contraditório inexistente na inquisição.
A hierarquia das proposições é que permite seja o inquérito policial arquivado e não produza efeitos penais, qual seja: não existe injunção.
A infidelidade da polícia judiciária na apuração dos fatos deixa o inquérito mais distante da verdade real possível, coisa que pode ser corrigida por iniciativa do promotor de justiça no curso da inquisição ou após esta e antes da denúncia, de sorte que o conteúdo crime/autoria aproxime-se o máximo possível da verdade real que se pretende provar como verdade processual bastante para que a sentença seja uma proposição necessária.
É certo que dentre as atribuições do Ministério Público não está a investigação ordinária, mas não existe proibição quanto à investigação extraordinária em razão de reservas tão razoáveis que a própria polícia judiciária a faz em determinados casos.
O promotor de justiça opera no nível do fundamental e indiscutível: o dogma do devido processo legal, tanto que obrigado a seguir o raciocínio indutivo consistente em demonstrar (provar) que o caso particular em julgamento pertence ao universo do caso geral previsto na lei e a condenação é necessária.
Dizem que direito não é lógica, o que é temerário se não for observado que a verdade real possível só pode ser convertida em verdade processual se estiver acima da dúvida razoável, qual seja: o peso dos argumentos em favor da proposição sob prova deve ser significativamente maior do que o peso das contrárias, dando ao promotor o conforto mental necessário à sua posição de garantidor.
O conteúdo da denúncia é um "fato narrado" (art. 397, III, CPP) ao qual o ato de recebimento da peça inaugural confere imutabilidade, uma vez verificado que atende à legitimidade, legalidade e justa causa, ocorrendo a rejeição por ausência de uma ou mais dessas condições.
O inquérito policial, como resultado da investigação, e sendo um proposição de possibilidade, assume o caráter de informação oficial mas não obriga a denúncia, podendo esta ser oferecida diante de "evidências" que independem de apuração pela polícia judiciária, como nos casos de crimes de direito cuja prova é exclusivamente documental, e o inquérito serviria apenas para colecionar os documentos pois os depoimentos do indiciado e testemunhas em nada alterariam o fato-penal.
Em sendo possível o oferecimento de denúncia sem inquérito policial ou investigação tem-se que qualquer pessoa pode entregar ao órgão acusador elementos (indícios obtidos licitamente) que atendam à forma lógica do art. 239 do CPP que, se bastantes, podem ensejar denúncia "direta".
O que autoriza a denúncia são os elementos bastantes (indícios obtidos licitamente) para que o fato-penal seja uma proposição provável, e não o modo, autoridade ou circunscrição indicados na lei como iniciativas oficiais, pois o contrário colocaria o Ministério Público na posição, repito, de "acatador" do trabalho policial judiciário.
A conclusão não é de que quem pode o mais pode o menos, é, antes, de quem pode, e se quem pode pode ser qualquer pessoa melhor que essa pessoa seja o garantidor do devido processo legal, que se valerá do concurso da polícia judiciária se conveniente no caso.
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