12 de dezembro de 2012

CONCILIAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA COM A HARMONIA


O gozo dos direitos políticos é "condição sem a qual" não é possível o exercício de tais direitos.

Apesar da flagrante obviedade de alguém não poder exercitar os direitos que não tem, o debate nesta fase final do "mensalão" é a titularidade exclusiva do parlamento para cassar mandatos em caso de condenação criminal.


Concordo com a hipótese constitucional para evitar infindável discussão sobre ser o povo o delegante do mandato parlamentar e, por isto, ser o único a poder revogá-lo por ato de seus representantes eleitos, dada a ausência de mecanismo de "deseleição".

Concordo que a legalidade suspende ou cassa os direitos políticos em razão de condenação criminal transitada em julgado, e neste ponto cessa o trabalho do judiciário.

Os parlamentares que perderam os direitos políticos perdem, então, a "conditio sine qua non" para o exercício, mas a Constituição remete a que o próprio parlamento "decida" sobre a perda.

A perplexidade que permeia todo do debate é a de um parlamentar, por decisão de seus pares, exercitar um direito que não tem, ou exercer um mandato sem causa legal.

O verbo decidir, no caso, parece concentrar sua força na legitimidade do voto popular delegante do mandato, o que é perfeitamente assentado no regime democrático. Porém, é altamente duvidoso que o regime democrático - exercício do poder com a menor gravosidade para os a ele submetidos - possa pretender eficácia em conflito com a ordem jurídica.

Ordem jurídica e regime democrático (art. 127, CF) formam um par de elementos necessariamente implicados, uma espécie de "emaranhado quântico" para exemplificar que qualquer mudança em um dos elementos do par tem repercussão simultânea no outro elemento, sendo possível - por inspiração de Miguel Reale - dizer que à ordem jurídica correspondem os valores e ao regime democrático correspondem os fatos, e a integração dos fatos e valores não podem alterar as relações de implicação declaradas como Estado Democrático de Direito.

No raso, é sabido que quem não goza dos seus direitos políticos não exerce o voto, a candidatura ou a posse no cargo eletivo, e não exerce por ausência de causa legal, sendo o todo mencionado antecedentes do mandato, com a conclusão também rasa de que quem não pode chegar lá, lá não pode estar.
A conciliação dos polos em debate não ocorre sem o argumento de que a harmonia entre os poderes de governo é necessária para manutenção da integridade da ordem jurídica, e que a independência entre eles, para além das suas especializações, é garantia de minimização da possibilidade de se orquestrarem para um concerto de dominação capaz de desequilibrar ou demolir o sistema.

Decidir - a questão é de direito e não de vernáculo - é verbo que não tem o significado estreito de soberania na dicção, devendo, ao mínimo da lógica discursiva ser um ato precedido de fundamentação, ou de razões.

O dicionário do Aurélio registra decidir com o significado de "resolver", enquanto Francisco Torrinha (latim x português) registra "compor-se, harmonizar-se).
Não existe repúdio à posição de que a interpretação constitucional deve alargar-se para alcançar o máximo de aplicação na direção da manutenção da integridade dos princípios e da ordem jurídica e do regime democrático, a regência trina.

Harmonizar a perda dos direitos políticos com a perda do mandato não significa subordinação entre poderes, mas tão somente um consectário de que no Estado moderno o GOVERNO é um dos poderes do Estado e é tripartido em Legislativo, Executivo e Judiciário, ou seja, cada um é um poder de governo e a relação harmoniosa com os demais é necessária para a governabilidade, admitidas flexões que não "quebrem" o primado da regência trina que representa a "ordem constitucional" (expressão utilizada na Carta).

Fora disto o debate descamba para o espetáculo ou, o que é pior, para a consagração da independência total da classe política para tornar-se imune às decisões judiciais e à investigação pelo Ministério Público.

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