9 de novembro de 2012

A CULPABILIDADE NA DOSIMETRIA DA PENA


A CULPABILIDADE NA DOSIMETRIA DA PENA - por Serrano Neves

A palavra culpabilidade aparece por cinco vezes no texto vigente do Código Penal Brasileiro.

O objetivo deste texto é analisar as ocorrências e seus significados possíveis.


PRIMEIRA OCORRÊNCIA

TÍTULO IV DO CONCURSO DE PESSOAS
Regras comuns às penas privativas de liberdade
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

1) "incide nas penas a este cominadas" - refere ao preceito secundário ou faixa de sanção prevista no tipo.
2) "na medida" - medida é a quantidade de alguma coisa para os leigos, e quantidade de uma grandeza para os peritos, e é geralmente expressa por um número de unidades em uma escala, p.e.: no sistema decimal de medida o comprimento das coisas é expresso em metros e/ou seus submúltiplos (decímetro, centímetro, milímetro). 1,65 metros de tecido é uma medida e representa a quantidade, na escala escolhida, do comprimento de tecido. Acontece que o mesmo comprimento de tecido pode ser expresso como sendo de 1,80 jardas, ou 64,96 polegadas, ou 5,41 pés, ou 0,0165 quilômetros, ou 165 centímetros, e assim por diante sempre em escalas referidas à grandeza comprimento.
3) "na medida" - então significa que deverá existir uma declaração de quantidade e unidade escolhida para medir a coisa (ou grandeza) culpabilidade. Esta medida pode ser grosseira e inteiramente imprecisa como "pequena, média e grande" que são simples comparativos, ou grosseira mas com alguma precisão como "mínima, média e máxima" o que induz uma correspondência com as penas mínima, média e máxima do tipo. Mas pode ser uma escala de 0 a 10, ou de 0 a 100, ou de A a D, como nas notas e conceitos escolares. Deve ser observado que a escala precisa ser declarada pois caso contrário não se saberá se a nota 8 é na escala de dez (boa) ou na escala de 100 (horrível).

4) é possível supor que, não existindo outra regra, a pena "na medida da sua culpabilidade" pudesse ser fixada somente com o o art. 29.

A conclusão é: a medida da culpabilidade é uma definição normativa que expressa a autonomia da censura ou reprovação.

SEGUNDA OCORRÊNCIA

TÍTULO V DAS PENAS
CAPÍTULO I DAS ESPÉCIES DE PENA
SEÇÃO II DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

5) a culpabilidade referida no art. 44 é a que já foi medida conforme o art. 59 e a ela se juntam os antecedentes, conduta social e personalidade, confirmando sua autonomia e definindo que as demais circunstâncias não integram a culpabilidade e revelam igual autonomia normativa, e tudo será o mesmo já examinado no art. 59.

TERCEIRA OCORRÊNCIA

TÍTULO V DAS PENAS
CAPÍTULO III DA APLICAÇÃO DA PENA
Fixação da pena
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

6) tendo sido visto que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade são autônomas, carece de sentido querer entender que as demais circunstâncias estejam contidas na culpabilidade, dado que clara a autonomia normativa, não justificando - como querem alguns pensadores - que a culpabilidade seja resultante das circunstâncias que se lhe seguem a frente no art. 59, mas, vale examinar:
7) supondo, apenas supondo, que a culpabilidade fosse resultante das demais circunstâncias judiciais, nenhuma pena poderia resultar de um conjunto de circunstâncias neutras (nem favoráveis, nem desfavoráveis), ou seria necessário criar uma ficção de equivalência do neutro com o favorável para poder fixar a pena mínima, e a consequência é que a pena seria fixada somente em função da desfavorabilidade do conjunto examinado, porque qualquer favorabilidade ou neutralidade geraria pena mínima automaticamente;
8) no caso suposto da culpabilidade resultante, não seria possível distinguir reprovação de prevenção, como o texto distingue, já que não existiriam declarações esclarecedoras, e o magistrado poderia aplicar até mesmo a pena máxima só por conta da prevenção, o que desatende os critérios de necessidade e suficiência.
9) necessidade e suficiência, e reprovação e prevenção, são conceitos relacionados aos pares: necessidade/reprovação e suficiência/prevenção e, caso assim não forem tomados o espaço discricionário (fundamentação) se transformaria num espaço arbitrário (ausência de fundamentação).

QUARTA OCORRÊNCIA

TÍTULO V DAS PENAS
CAPÍTULO III DA APLICAÇÃO DA PENA
Crime continuado
Art. 71 -
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

10) a previsão repete o previsto no art. 44, valendo o mesmo comentário "6", mas sendo oportuno acrescentar que as duas hipóteses tem incidência sobre pena já fixada, logo, o aumento incide proporcionalmente à reprovação e prevenção já examinadas e fixadas.

QUINTA OCORRÊNCIA
TÍTULO V DAS PENAS
CAPÍTULO IV DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA
Requisitos da suspensão da pena
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

11) valem os comentários "6" e "10".

Das cinco ocorrências, as quatro últimas estão dentro do TÍTULO V - DAS PENAS, dentro da dosimetria, revelando que a primeira representa definição e as demais aplicação da definição.

DAS DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS NEUTRAS OU "NORMAIS"

Circunstâncias neutras ou "normais" não podem gerar prêmio (favorabilidade) nem castigo (desfavorabilidade) porque pertencem ao universo da neutralidade ou normalidade de todo e qualquer cidadão que não esteja sendo alvo de dosimetria de pena, logo, não pode sofrer valoração pelo Direito Penal, admitido o "erro bondoso" de tomar a neutralidade como favorabilidade, e em sendo assim, se as demais circunstâncias são neutras a pena base resultaria exclusivamente da medida da culpabilidade, o que a torna determinante da pena, ou causa da pena, revelando o caráter autônomo da culpabilidade que, neste caso seria "resultante de nada", o que é uma impossibilidade lógica.

A culpabilidade tomada como determinante permite a fixação da pena base independentemente do que as demais circunstâncias revelarem mas, se tomada com resultante a "resultante de nada" implicaria em absolvição por ausência de valor nas circunstâncias do art. 59, ou tudo descambaria para um tirânico "princípio": A pena mínima será aplicada nos casos em que, por neutras ou normais, as circunstâncias judiciais não puderem ser valoradas para majoração.

Corolário 1: As circunstâncias judiciais parcial ou inteiramente favoráveis de modo nenhum beneficiam o condenado.
Corolário 2: Não existirá absolvição por ausência de culpabilidade, pois a ausência de culpabilidade é equipotente à "resultante do nada" porque zero é igual a zero.

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