18 de janeiro de 2012

QUEM MATA MAIS ?

Em Goiás o time do NãoQueroMatar Esporte Clube [1] fez cerca de 1.700 gols (mortos) e acertou 57 mil bolas na trave enquanto o time do QueroMatar Futebol Clube [2] fez igual número de gols, mas não encontrei os chutes na trave.

Os dados são de 2010 e o campeonato está estatisticamente empatado.


Acidente de trânsito é um eufemismo para designar o evento no qual um condutor de veículo deixou de observar os cuidados necessários para não produzi-lo.

O trânsito é um jogo complexo pois, ao mesmo tempo, jogam máquinas grandes, médias e pequenas, e pedestres.

O tabuleiro do jogo é construído para um determinado número de jogadores-máquinas fazerem suas jogadas, mas o número de jogadores-máquinas aumenta e o tabuleiro fica do mesmo tamanho.

O número de jogadores-pedestres também aumenta sobre o mesmo tabuleiro, e o jogo que deveria ser um jogo de cooperação passa a ser de competição (eu primeiro) ou de meta (tenho que chegar).

... e a velhinha de bengala morre atropelada porque o condutor buzinou para que ela saísse da frente mas ela era surda.

... o condutor da máquina pesada espatifa um pequeno veículo porque tem que entregar a carga a tempo certo.

... o pai de família mata seus filhos e a mãe deles porque precisa chegar em casa, vindo do feriado prolongado.

A indiferença e a hostilidade presidem a competição no trânsito na forma de "os outros que se cuidem".

Enfim, as mortes no trânsito são causadas por pessoas que não querem matar, só querem resolver o seu problema, e a diferença entre estes e os que querem resolver seus problemas matando não é grande porque ambos estão "dopados".

Em regra, quem quer matar e mata está dopado pelos "hormônios da fúria", enquanto quem não quer matar mas mata está dopado pelos "hormônios" da pressa, do cansaço, do egoismo etc, e quando não por alguma substância química.

Há casos e casos, mas há casos em que o condutor do veículo tem consciência do seu estado "hormonal" e insiste em conduzir pois as penas para os crimes de trânsito são pequenas, ou seja, não dá cadeia.

A doutrina penal debate o dolo eventual no trânsito para os casos em que o condutor, com sua ação, arrisca produzir um resultado penalmente relevante.

O risco criado pelo condutor em situação de dolo eventual é um risco que o sistema de trânsito não suporta, visto que a conduta contraria alguma regra de segurança condutor-veículo.

Essa condução de risco é denominada "direção perigosa" quando não produz resultados penais e revela o "potencial ofensivo" do condutor.

Potencial ofensivo é o crime visto pelo lado do autor e pode ser medido, tanto pode que existem os juizados criminais para julgarem os crimes de pequeno potencial ofensivo, mas não pode ser medido pela quantidade de pena cominada no tipo.

No estado de culpa em sentido estrito o condutor do veículo falta com o cuidado objetivo "sem querer" enquanto no estado de dolo eventual ele quer faltar com o cuidado.

No estado de dolo eventual o condutor não quer matar, mas a morte está no caminho da sua conduta de forma matematicamente previsível pelo cálculo das probabilidades.

Hostilidade e indiferença são as principais substâncias do "dopping" que leva o condutor para a esfera do dolo eventual.

... o condutor não podia adivinhar que a velhinha era surda, mas buzinou para a velhinha sair da frente porque reconheceu uma rota de colisão.

Não diminuiu a marcha e justifica: quando ví que a velhinha não saiu da frente freei mas não deu tempo de parar.

Sinais são avançados porque é preciso chegar antes que o banco feche.

Velocidades são excedidas porque sairam de casa atrasados.

Ultrapassagem erradas são feitas porque falta paciência para ficar atrás do caminhão até ter visão do caminho â frente.

O repúdio ao dolo eventual no trânsito sempre me pareceu ser coisa da "classe dominante", ou seja, uma forma de "livrar a cara" dos grandes, mas pode ser também uma questão de não ter cadeia para todos, ou de achar que no meio dessa "bagunça" que faz alguma coisa errada não é tão culpado assim.

Mas, no fundo - e não precisa ir muito fundo - a realidade é a desvalorização da vida humana e favor da valorização da vida econômica: é preciso ter carro e andar de carro.

A culpa é concorrente pois o governo quer que sejam vendidos mais carros e consumido mais combustível, enquanto se esforça em apreender armas de fogo para evitar mortes.

Matar no trânsito ficou tão "natural" quanto desviar dinheiro público: coisas do sistema.

[1] http://www.matogrossogoiano.com.br/site/politica/ultimas-noticias/goias/5791-mortos-feridos-sofrimento-e-r-5-bi-em-prejuizos-no-transito

[2] http://www.sangari.com/mapadaviolencia/pdf2012/mapa2012_go.pdf

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