Produção e Impacto Ambiental.
Pela implantação da ideia de que o capital não reverte os problemas que causa.
LAIS RABELO
Racionalidade e Adequação na produção são necessidades que se impõem. “A busca desenfreada pela produção gera resultados imediatamente satisfatórios, mas imediatamente imprevisíveis ou descontrolados.” afirma consistentemente Maurício José Nardini, em matéria trazida pela revista Consulex – artigo “A Produção e a Proteção Ambiental”. A industrialização, urbanização, surgimento de novas tecnologias que trazem uma “melhora” na produção – pesticidas, inovações da engenharia genética – deram ao ser humano (melhor seria dizer animal intelectual, vez que sua inteligência e humanidade, essa última no sentido de natureza humana, sensibilidade, são constantemente trocadas por determinados interesses e bestialidades) capacidade para alterar totalmente a ordem natural do meio ambiente. Isso implica dizer que toda essa alteração, além de benefícios, trouxe consigo configurações (ou desconfigurações) decididamente danosas ao meio ambiente. Seguindo o raciocino, continua Nardini, no referido artigo mencionado supra: “A produção, por si só, pode gerar um aumento quantitativo das riquezas. Gera empregos, gera alimentos. Ocorre que, desligada da proteção ambiental, também gera a diminuição do potencial que a terra tem a nos oferecer.”
A produção em massa, ou em larga escala, como está configurada, a medida que “supre” necessidades, imediatamente, traz consigo, por outro lado, problemas gravosos e também imediatos, bem como os que aparecem a longo prazo. Não é inteligente, e prudente, uma produção de alimentos se estes estiverem com contaminação decorrente da utilização de agrotóxicos, uma vez que a posteriori, fatalmente, ou a pessoa, ou o Estado, terá que arcar com despesas médicas em vista dos problemas de saúde acarretados pelo consumo desses alimentos contaminados.
A produção não pode mais se vincular apenas a padrões quantitativos. Níveis qualitativos precisam ser incorporados, mantidos, aprimorados, e a garantia de que essa qualidade está sendo efetivada deve ser assegurada pelo Ente Administrador – Estado, chegando ao conhecimento direto da população e, em contrapartida, a população deve cobrar a obediência a esses padrões (qualitativos), seja pela própria iniciativa, seja através do Ministério Público, já que, em se tratando de Direito Coletivo ou Difuso (no caso, questões ambientais, de saúde e consumeristas), a legitimidade de determinados entes específicos designados para tais causas (através da Ação Civil Pública, a título de exemplo), se torna mais efetiva, diante da fragilidade do poder de cobrança de um pequeno grupo de pessoas ou de um indivíduo isoladamente.
Um tema importante, na esfera do Direito Agrário, que diz respeito à conexão “produção – proteção ambiental”, é a Função Social do Imóvel Rural. A História do Direito mostra várias fases e modos de relação do homem com a terra. O Código Napoleônico trouxe uma configuração de uso irrestrito da terra, sendo que o proprietário poderia dela dispor da forma como lhe conviesse, independentemente do fato desse uso estar prejudicando o potencial da terra, por exemplo. Nos moldes atuais o papel da terra está abarcado por uma função social a que deve atender, sob pena do proprietário que dela fizer mau uso, ou simplesmente não der a destinação adequada a esse imóvel, poder sofrer a penalidade patrimonial máxima, uma desapropriação.
Para que cumpra sua função social, o Imóvel Rural deve estar produzindo, tendo destinação adequada e movimentando, portanto a economia; deve estar em conexão com a Proteção Ambiental; deve cumprir as normas dos contratos de trabalho e agrários (nominados e inominados); devendo também haver uma exploração que garanta o bem estar entre proprietário, trabalhador e possuidor rural, caracterizado pela ausência de conflitos e cumprimento fiel às normas trabalhistas, sendo que os requisitos devem estar concomitantemente presentes para que se configure o devido cumprimento da Função Social (Socioambiental) da propriedade.
Perceba-se que os requisitos expostos devem ser observados concomitantemente, em vista de que se falta algum, a função socioambiental desse imóvel estará abalada. Nesse caso, pode se notar um avanço com relação à necessidade de conexão com a Proteção Ambiental. As normas com relação à forma de concretização dessa proteção são específicas, determinando porcentagens de mata a ser mantidas, zonas de reserva legal, áreas de preservação permanente, unidades de conservação etc. No entanto, a prática tem revelado dados desastrosos, senão vejamos:
Durante as décadas de 1970 e 1980 houve um rápido deslocamento da fronteira agrícola, com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, que resultou em 67% de áreas do Cerrado “altamente modificadas”, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas. Resta apenas 20% de área em estado conservado. A partir da década de 1990, governos e diversos setores organizados da sociedade debatem como conservar o que restou do Cerrado, com a finalidade de buscar tecnologias embasadas no uso adequado dos recursos hídricos, na extração de produtos vegetais nativos, nos criadouros de animais silvestres, no ecoturismo e outras iniciativas que possibilitem um modelo de desenvolvimento sustentável e justo. As unidades de conservação federais no Cerrado compreendem: dez Parques Nacionais, três Estações Ecológicas e seis Áreas de Proteção Ambiental. (IBAMA, 2011).
Estes dados, retirados do site do IBAMA, revelam que apenas 20% de área de Cerrado restou conservada, pelo crescimento de áreas destinadas a pastagens, plantações, pecuária etc., casos em que novamente a produção desvencilhada da qualidade deixa casos difíceis de serem revertidos. Nítida situação em que o capital não conseguirá reverter os problemas que causou! De forma bem diversa, conseguiu deixar apenas uma grande bomba de efeitos não mensuráveis, que se traduz num desastre ambiental, como muitos que vem ocorrendo. Paulo de Bessa (2007:252) traz:
O conceito de meio ambiente [...] é um conceito que implica o reconhecimento de uma totalidade. Isto é, meio ambiente é um conjunto de ações, circunstâncias, de origens culturais, sociais, físicas, naturais e econômicas que envolve o homem e todas as formas de vida. É um conceito mais amplo do que o de natureza que, como se sabe, em sua acepção tradicional, limita-se aos bens naturais. Impacto é um choque, uma modificação brusca causada por alguma força exterior que tenha colidido com algo. Sinteticamente, poderíamos dizer que o impacto ambiental é uma modificação brusca causada no meio ambiente. (BESSA, 2007, p. 252).
A modificação brusca causada ao meio ambiente, como traz o conceito do autor, deve ser analisada cautelosamente, já que estar diante de um impacto ambiental, muitas vezes, é estar diante de um caminho sem volta.
Notadamente, as regras de direito ambiental necessitam estar imbuídas de caráter preventivo, o se justifica e fundamenta nas características inerentes aos danos causados ao meio ambiente. Ocorre que geralmente são altamente complexos. Os efeitos do dano geralmente se projetam para atingir desde grupos pequenos até quantidades incalculáveis de indivíduos e seres vivos. Estão também revestidos de um “efeito cadeia”. Significa dizer que, os efeitos do desmatamento, exemplificando, não afetam apenas a região, os cursos d'água, a qualidade do solo etc, mas interferem nas condições climáticas e isso implica alterações naturais de ordem planetária.
Nesses termos, o desenvolvimento de normas que determinem ações preventivas implica obstar que se chegue ao ponto de ter que lidar com a irreversibilidade do dano ecológico, ou de se ter que recorrer ao uso de processos complexos e demasiadamente onerosos para recuperação do meio ambiente alterado (poluído/degradado).
A energia nuclear é um avanço e tanto e poderia estar elencada entre as soluções ambientais inteligentes. Mas não estamos prontos para dela fazer uso. Da mesma forma que ainda não estamos prontos nem mesmo para o novo Código Civil: na esfera cível, o dano (lesão de um bem jurídico: patrimonial ou personalíssimo) causado, constitui e determina o dever de indenizar, configurando ato ilícito também o abuso de direito. O artigo 187 do Código Civil é genial. Mas veja a dificuldade: o que é exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social? Quem é o sábio que irá enfrentar e ousar interpretar isso perante e para a organização capitalista a que estamos subjugados? O que é boa fé? O que são bons costumes? Juros de 14% ao mês? Hospitais e escolas públicas completamente desestruturados? Atividades mineradoras devastando, contaminando e matando... sem impedimentos? Certos tipos de passivo, quantitativa e qualitativamente falando, o capital não restabelecerá jamais.
“Laisser faire laisser passer”, da língua francesa, significa “deixai fazer deixai passar”, indica a ideia de permissividade. Enquanto a configuração for essa, seja na economia, na dinâmica do capital e na inconsciência generalizada, situações desse nível vão continuar acontecendo.
O espírito das leis ainda não consegue se plasmar nessa realidade, nessa organização, nessa forma de pensamento e de sentir. Estamos nas mãos do capital, das multinacionais. É necessário uma revolução na consciência. É preciso sensibilidade, porque Direito é bom senso. Enquanto “o outro”, e não apenas o “mim mesmo”, não fizer parte da consciência coletiva, da cultura, sempre se estará diante de grandes dificuldades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS e fontes consultadas
Antunes, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12 ed., Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009.
IBAMA. Cerrado. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/cerrado.htm. 2011.
Nardini, Maurício José. A Produção e a Proteção Ambiental in: Revista Consulex, n. 9. 1997.
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