A Educação contra o crime
Serrano Neves
em entrevista ao Tribuna de Minas de Juiz de Fora MG em 1982.
em entrevista ao Tribuna de Minas de Juiz de Fora MG em 1982.
Humanamente (e radicalmente) contrário à aplicação da lobotomia, julgando que a privacidade do indivíduo será violada e que a pena corporal seria revivida, o advogado penalista Paulo Maurício Serrano Neves, acredita que o tratamento adequado para o delinquente deve ser baseado puramente na educação, "desde a educação pessoal transmitida pelos familiares, passando pela educação colegial e religiosa, e terminando na "educação social". É, em síntese, o que será analisado no terceiro artigo sobre o estudo do sistema carcerário.
Para se chegar a uma definição sobre o sistema carcerário, primeiro é fundamental o estudo de suas causas. Serrano Neves inicia o debate falando que "é preciso fazer uma distinção entre criminalidade e delito. A primeira seria uma tendência do indivíduo para a prática de delito, configurando-se as circunstâncias exteriores: já o segundo, é a ofensa social provocada por circunstâncias externas, que agiriam sobre o indivíduo. Isto, a grosso modo, se não iríamos nos estender".
Na opinião do advogado existem duas causas, do ponto de vista jurídico, para explicar a criminalidade. "Existem a causa legal, que surge quando o direito elege um bem à categoria de tutelável, podendo até eleger como crime uma coisa aparentemente sem sentido", explicou, citando como exemplo a proibição de passar por determinado local.
- A causa humana, aborda o aspecto individual e social. Individual na própria conformação biológica do homem, que é um animal, racional, possuidor de uma agressividade natural e necessária para enfrentar a vida (responsável por seu equilibrio) podendo, assim, reagir diante das circunstâncias, ora mais como animal, ora mais como racional", posicionou-se.
O modo como o indivíduo reagirá, dependerá dos elementos que lhes sejam oferecidos através da educação e dos movimentos sociais. " Em termos médicos", continuou Serrano Neves, corresponderia à capacidade do indivíduo de estabelecer censura sobre as emoções e instintos primitivos, exteriorizando uma conduta dentro dos padrões sociais. Esta capacidade seria adquirida pela educação e por convivência em meio adequado".
O advogado acredita que o fator econômico tem responsabilidade na formação do delinqüente", na medida em que limita os meios ao alcance do indivíduo para se educar e conviver. Entretanto, o ponto inicial é a Educação, em todos os seus aspectos".
A forma de atingir os pontos máximos de educação, diminuindo a criminalidade, para Serrano Neves, começa com o "redimensionamento dos objetivos sociais e individuais, decaindo do egoísmo e procurando meios adequados, para a plena expressão do homem como pessoa. O primeiro passo já teria sido dado pela CNBB com a Campanha da Fraternidade, que nos incita a reconhecer a todos como irmãos", garantiu.
E assim", esclarece, " poderíamos nos aproximar mais uns dos outros abrindo mão de privilégios que nós mesmos elegemos, para dividir com os demais a capacidade já adquirida de harmonizar as coisas ao nosso redor, mantendo o respeito, a privacidade dos indivíduos sem, no entanto deixar de oferecer-lhes uma contribuição objetiva e sincera".
Repulsa x convívio
Encarando o sistema penitenciário atual, Serrano Neves julga que ele "pecou até hoje por falta de infra-estrutura capaz de recuperar o delinquente e por excesso de eficácia no tocante às penas privativas de liberdade, tomando o criminoso por um pária e não como cidadão pleno de direitos e liberdades, mesmo quando o Estado lhe aplica uma pena privativa. Sem condições de orientar a reintegração, o sistema penitenciário optou pela segregação", definiu, para acrescentar que este mesmo sistema carcerário está em vias de remodelação, diante da tramitação do anteprojeto do novo Código Penal e do Código de Execuções Criminais.
Para o criminalista, as medidas para a melhoria do sistema penitenciário já se encontram incorporadas à nova legislação, dependendo, no entanto, "que a sociedade modifique seus conceitos com relação aos delinquentes, sem o que a previsão legal será inócua, porque a sociedade imprimiria nos criminosos marca indelével que os acompanharia por toda a vida. Quando, na verdade, entendidas a motivação e a personalidade do indivíduo, é perfeitamente possível conviver com os infratores, deixando de lado a mancha e aproveitando o que neles existe de positivo".
Sobre o tópico acima, Paulo Maurício preferiu não falar em preconceito que, segundo ele, não existe, "o que há é uma repulsividade", afirmou.
A desemetria da pena, para o advogado, está vinculada à eficácia do sistema carcerário. "Torna-se inócuo apenas o delinquente", opina, " com penas altas, se, após o cumprimento delas, o seu estado se conservou ou até se agravou. A restrição da liberdade é necessária enquanto necessário o tratamento carcerário para a recuperação. Uma vez recuperado, o indivíduo, mesmo que ainda exista pena para cumprir, a liberdade, com cautela, deve-lhe ser devolvida. No entanto, justifica-se que a lei faça a previsão de longas apenações para que possa manter o seu caráter geral e ser aplicável a casos extremos."
- Como ponto de vista pessoal, advogo a aplicação da medida de segurança, exequível de maneira real e objetiva" concluiu. Serrano Neves também mostrou-se disposto a falar sobre a primeira matéria publicada sobre o assunto, que tratou do depoimento do psiquiatra Guilherme de Souza, que apontou a lobotomia como medida a ser adotada para "aliviar" o sistema carcerário
"Solução tentadora"
- A solução da lobotomia é tentadora, como é tentador ver: o criminoso atrás das grades; o ladrão apanhando para criar vergonha; o tarado sendo linchado; o estuprador sendo eletrocutado, etc. Não ceder à tentação é um ato de lucidez diante do incogniscível. A vida é uma forma de animação da matéria. O corpo humano é um complexo mecanismo animado por desconhecida força que a ciência ainda não conhece". Desta forma, Serrano Neves, começou sua explicação sobre sua posição contrária à aplicação da lobotomia.
O criminalista mostra-se até certo ponto irritado com a prática da lobotomia e diz: "de um ponto de vista puramente mecânico, a lobotomia frontal (ou pré-frontal) pode Ter seus méritos e sucessos, mas o ser humano não é uma máquina na qual se possa mexer aqui e ali sem prejuízo de sua expressão total. Admitir a lobotomia como supressora da criminosidade será admitir que com ela se suprima também a capacidade do indivíduo lobotomizado de reagir normalmente diante das ansiedades necessária para uma vida psíquica e física normais".
- Ou seja, prosseguiu, "o risco maior é o de, eliminando o criminoso, eliminar-se-á o homem que há dentro dele, por erguer-se intransponível barreira entre o percebedor e o sentir, apenas para desincomodar a sociedade. Além do mais, a lobotomia invade a área de privacidade assegurada ao indivíduo pelo Direito Natural, à falta de lei específica ou em oposição a um inexistente Direito de Curar".
Serrano Neves fala na invasão da privacidade com fundamentação no artigo terceiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que "fala sobre a integridade pessoal, cuja conceituação estendida ao campo da privacidade, nos diz que o físico e o psíquico da pessoa são direitos personalíssimos. Aliás, a concepção é universal, porque o direito da privacidade confere ao homem ser protegido contra a ingerência em sua integridade física ou mental ou em sua liberdade intelectual e moral", revela.
- Outra barreira com relação à prática da lobotomia seria o consentimento válido, isto, após havermos vencido a barreira do direito de tratar, quando as relações jurídicas do médico com a sociedade não poderiam sobrepor-se às do médico com o seu paciente", sentenciou.
A lobotomia suprime, apenas, a "exteriorização da agressividade. Esta provem das camadas mais profundas e não do córtex cerebral", continuou Serrano Neves. " Por comparação, a amputação do córtex cerebral seria quase a mesma coisa que querer tornar um pugilista inofensivo pela amputação de seus braços. Há que ser melhor entendido o cérebro no seu todo e nas suas relações com os níveis superiores de consciência, antes que se possa pensar em operá-lo para modificar a expressão do indivíduo".
"Mero conforto social"
Se a sociedade não é capaz de preparar os indivíduos pela educação e tratamento, não lhe cabe o direito de eliminar os incômodos que criou", reafirma Serrano Neves, ao retomar a palavra para tecer comentários sobre a lobotomia. "O avanço da medicina quanto às cirurgias intracranianas é inegável através de modernos, ou melhor, atualíssimos "squids" capazes de mapear o potencial eletromagnético de cada ponto do cérebro sem o uso de eletrodos (já em uso na Califórnia) em breve, as intervenções do cérebro adquirirão fantástica precisão mecânica. Porém, a nível de complexidade do ser humano não existirá a menor segurança com relação aos efeitos da cirurgia ficarem restritos aos objetivados".
Quem responderá pelo excesso cometido? Quem faz a pergunta é o penalista e ele próprio responde: "O médico se esquivará, eticamente , pelo anúncio prévio dos riscos envolvidos. A sociedade se escudará com a lei que autorize o ato. O paciente alvo da lobotomia que será o psicopata irrecuperável, é um ser incapaz de discernir, logo, não entenderá também a utilidade - própria e social - pretendida. Ficará a lobotomia instituída como pena corporal".
- A saturação social, diz Serrano Neves, "e a capacidade de a sociedade controlar seus mecanismos poderá, algum dia vir a exigir que exista um controle, mas este deverá ser prévio, de maneira a evitar que aquilo que não e desejável não seja produzido. Controlar por eliminação do resultado indesejado seria, quando nada, uma demonstração de impotência".
Citando um trecho de Arnaldo Niskier ("O Homem é a Meta") o criminalista diz: "parece Ter chegado o momento de reavaliarmos o processo e reconsiderarmos os limites impostos pelos interesses materiais e utilitários aos autênticos valores da vida social e da dignidade humana". E completa: "Alma Espírito. Personalidade. Deus . Significado da Vida. Tudo posto de lado para mero conforto da sociedade. Não é não.
Alvo certo: o pobre
O advogado, ainda falando sobre lobotomia, explica: "a grosso modo, tanto o desvio de comportamento, quanto a doença, assim como o defeito genético, podem gerar um psicopata criminoso. O primeiro por não Ter sido educado. O segundo pela alteração provocada pela doença. O terceiro é um anormal. A um educa-se; a outro trata-se a doença. Ao último dá-se a compaixão e o amor que se dá ao excepcional. Se existisse um direito de curar ele alcançaria apenas o doente".
Serrano Neves, alegando que não pretende enveredar por matéria médica por não Ter habilitação acadêmica, conclui no campo jurídico: "a legislação que viesse permitir a lobotomia iria imprimir, inegavelmente um retrocesso na Ciência Penal, e abriria campo para que revivêssemos outras penas corporais: decepar mão de ladrão, castrar o estuprador etc.".
- A lobotomia como alternativa da pena privativa de liberdade estaria subordinada ao consentimento do paciente. O tipo médio do criminoso alvo (semianalfabetos oriundos do extremo inferior da escala social e psicopatas) seria incapaz para consentir, e o suprimento desse consentimento só poderia fundar-se em imediato e indiscutível interesse público diante do perigo real e iminente. Como medida de segurança complementar da pena, só teria sentido se aplicada após o cumprimento daquela o que seria uma aberração: puniria duas vezes. Como causa da extinsão da punibilidade, não alcançaria a finalidade do direito como elemento de valoração do fato social", considerou Serrano Neves.
Para finalizar, expôs: "Assim, adorar a lobotomia (ou recomendá-la) como meio de fazer cessar a periculosidade do criminoso psicopata a esbarra na utilidade social: seria menos perigosos, ou menos criminosos, ou porque não também psicopatas, os ladrões dos cofres públicos, os adulteradores de alimentos , os defraudadores do patrimônio social, os corruptos, os charlatões, os amorais, os agiotas, os atravessadores, todos aqueles que se alinha sob o título criminoso de "colarinho branco", os quais, deliberadamente, matam, envenenam, espalham miséria e fome... O alvo certo seria o pobre demente agressivo ou seria melhor rearmar a guilhotina e prescrever a todos a cefalotomia".
© Página pessoal de SERRANO NEVES - http://www.serrano.neves.nom.br/
Um comentário:
O Estado e sociedade sempre querendo utilizar da solução mais fácil e econômica para resolver as questões penais, sem levar em conta que estão lidando com um ser humano. Contudo, o Estado nunca assumi a sua responsabilidade no processo educacional do indíviduo.
Como o senhor mesmo diz o Estado prefere aplicar veneno nas "baratas" que limpar o ambiente que se encontra-se sujo, sendo esta a causa do surgimento e proliferação destes insetos.
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