2 de julho de 2012

A Educação contra o crime


A Educação contra o crime

Serrano Neves
 em entrevista ao Tribuna de Minas de Juiz de Fora MG em 1982.


Humanamente (e radicalmente) contrário à aplicação da lobotomia, julgando que a privacidade do indivíduo será violada e que a pena corporal seria revivida, o advogado penalista Paulo Maurício Serrano Neves, acredita que o tratamento adequado para o delinquente deve ser baseado puramente na educação, "desde a educação pessoal transmitida pelos familiares, passando pela educação colegial e religiosa, e terminando na "educação social". É, em síntese, o que será analisado no terceiro artigo sobre o estudo do sistema carcerário.



Para se chegar a uma definição sobre o sistema carcerário, primeiro é fundamental o estudo de suas causas. Serrano Neves inicia o debate falando que "é preciso fazer uma distinção entre criminalidade e delito. A primeira seria uma tendência do indivíduo para a prática de delito, configurando-se as circunstâncias exteriores: já o segundo, é a ofensa social provocada por circunstâncias externas, que agiriam sobre o indivíduo. Isto, a grosso modo, se não iríamos nos estender".


Na opinião do advogado existem duas causas, do ponto de vista jurídico, para explicar a criminalidade. "Existem a causa legal, que surge quando o direito elege um bem à categoria de tutelável, podendo até eleger como crime uma coisa aparentemente sem sentido", explicou, citando como exemplo a proibição de passar por determinado local.

- A causa humana, aborda o aspecto individual e social. Individual na própria conformação biológica do homem, que é um animal, racional, possuidor de uma agressividade natural e necessária para enfrentar a vida (responsável por seu equilibrio) podendo, assim, reagir diante das circunstâncias, ora mais como animal, ora mais como racional", posicionou-se.

O modo como o indivíduo reagirá, dependerá dos elementos que lhes sejam oferecidos através da educação e dos movimentos sociais. " Em termos médicos", continuou Serrano Neves, corresponderia à capacidade do indivíduo de estabelecer censura sobre as emoções e instintos primitivos, exteriorizando uma conduta dentro dos padrões sociais. Esta capacidade seria adquirida pela educação e por convivência em meio adequado".

O advogado acredita que o fator econômico tem responsabilidade na formação do delinqüente", na medida em que limita os meios ao alcance do indivíduo para se educar e conviver. Entretanto, o ponto inicial é a Educação, em todos os seus aspectos".

A forma de atingir os pontos máximos de educação, diminuindo a criminalidade, para Serrano Neves, começa com o "redimensionamento dos objetivos sociais e individuais, decaindo do egoísmo e procurando meios adequados, para a plena expressão do homem como pessoa. O primeiro passo já teria sido dado pela CNBB com a Campanha da Fraternidade, que nos incita a reconhecer a todos como irmãos", garantiu.
E assim", esclarece, " poderíamos nos aproximar mais uns dos outros abrindo mão de privilégios que nós mesmos elegemos, para dividir com os demais a capacidade já adquirida de harmonizar as coisas ao nosso redor, mantendo o respeito, a privacidade dos indivíduos sem, no entanto deixar de oferecer-lhes uma contribuição objetiva e sincera".

Repulsa x convívio


Encarando o sistema penitenciário atual, Serrano Neves julga que ele "pecou até hoje por falta de infra-estrutura capaz de recuperar o delinquente e por excesso de eficácia no tocante às penas privativas de liberdade, tomando o criminoso por um pária e não como cidadão pleno de direitos e liberdades, mesmo quando o Estado lhe aplica uma pena privativa. Sem condições de orientar a reintegração, o sistema penitenciário optou pela segregação", definiu, para acrescentar que este mesmo sistema carcerário está em vias de remodelação, diante da tramitação do anteprojeto do novo Código Penal e do Código de Execuções Criminais.


Para o criminalista, as medidas para a melhoria do sistema penitenciário já se encontram incorporadas à nova legislação, dependendo, no entanto, "que a sociedade modifique seus conceitos com relação aos delinquentes, sem o que a previsão legal será inócua, porque a sociedade imprimiria nos criminosos marca indelével que os acompanharia por toda a vida. Quando, na verdade, entendidas a motivação e a personalidade do indivíduo, é perfeitamente possível conviver com os infratores, deixando de lado a mancha e aproveitando o que neles existe de positivo".


Sobre o tópico acima, Paulo Maurício preferiu não falar em preconceito que, segundo ele, não existe, "o que há é uma repulsividade", afirmou.


A desemetria da pena, para o advogado, está vinculada à eficácia do sistema carcerário. "Torna-se inócuo apenas o delinquente", opina, " com penas altas, se, após o cumprimento delas, o seu estado se conservou ou até se agravou. A restrição da liberdade é necessária enquanto necessário o tratamento carcerário para a recuperação. Uma vez recuperado, o indivíduo, mesmo que ainda exista pena para cumprir, a liberdade, com cautela, deve-lhe ser devolvida. No entanto, justifica-se que a lei faça a previsão de longas apenações para que possa manter o seu caráter geral e ser aplicável a casos extremos."

- Como ponto de vista pessoal, advogo a aplicação da medida de segurança, exequível de maneira real e objetiva" concluiu. Serrano Neves também mostrou-se disposto a falar sobre a primeira matéria publicada sobre o assunto, que tratou do depoimento do psiquiatra Guilherme de Souza, que apontou a lobotomia como medida a ser adotada para "aliviar" o sistema carcerário

"Solução tentadora"


- A solução da lobotomia é tentadora, como é tentador ver: o criminoso atrás das grades; o ladrão apanhando para criar vergonha; o tarado sendo linchado; o estuprador sendo eletrocutado, etc. Não ceder à tentação é um ato de lucidez diante do incogniscível. A vida é uma forma de animação da matéria. O corpo humano é um complexo mecanismo animado por desconhecida força que a ciência ainda não conhece". Desta forma, Serrano Neves, começou sua explicação sobre sua posição contrária à aplicação da lobotomia.


O criminalista mostra-se até certo ponto irritado com a prática da lobotomia e diz: "de um ponto de vista puramente mecânico, a lobotomia frontal (ou pré-frontal) pode Ter seus méritos e sucessos, mas o ser humano não é uma máquina na qual se possa mexer aqui e ali sem prejuízo de sua expressão total. Admitir a lobotomia como supressora da criminosidade será admitir que com ela se suprima também a capacidade do indivíduo lobotomizado de reagir normalmente diante das ansiedades necessária para uma vida psíquica e física normais".


- Ou seja, prosseguiu, "o risco maior é o de, eliminando o criminoso, eliminar-se-á o homem que há dentro dele, por erguer-se intransponível barreira entre o percebedor e o sentir, apenas para desincomodar a sociedade. Além do mais, a lobotomia invade a área de privacidade assegurada ao indivíduo pelo Direito Natural, à falta de lei específica ou em oposição a um inexistente Direito de Curar".


Serrano Neves fala na invasão da privacidade com fundamentação no artigo terceiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que "fala sobre a integridade pessoal, cuja conceituação estendida ao campo da privacidade, nos diz que o físico e o psíquico da pessoa são direitos personalíssimos. Aliás, a concepção é universal, porque o direito da privacidade confere ao homem ser protegido contra a ingerência em sua integridade física ou mental ou em sua liberdade intelectual e moral", revela.

- Outra barreira com relação à prática da lobotomia seria o consentimento válido, isto, após havermos vencido a barreira do direito de tratar, quando as relações jurídicas do médico com a sociedade não poderiam sobrepor-se às do médico com o seu paciente", sentenciou.

A lobotomia suprime, apenas, a "exteriorização da agressividade. Esta provem das camadas mais profundas e não do córtex cerebral", continuou Serrano Neves. " Por comparação, a amputação do córtex cerebral seria quase a mesma coisa que querer tornar um pugilista inofensivo pela amputação de seus braços. Há que ser melhor entendido o cérebro no seu todo e nas suas relações com os níveis superiores de consciência, antes que se possa pensar em operá-lo para modificar a expressão do indivíduo".

"Mero conforto social"


Se a sociedade não é capaz de preparar os indivíduos pela educação e tratamento, não lhe cabe o direito de eliminar os incômodos que criou", reafirma Serrano Neves, ao retomar a palavra para tecer comentários sobre a lobotomia. "O avanço da medicina quanto às cirurgias intracranianas é inegável através de modernos, ou melhor, atualíssimos "squids" capazes de mapear o potencial eletromagnético de cada ponto do cérebro sem o uso de eletrodos (já em uso na Califórnia) em breve, as intervenções do cérebro adquirirão fantástica precisão mecânica. Porém, a nível de complexidade do ser humano não existirá a menor segurança com relação aos efeitos da cirurgia ficarem restritos aos objetivados".


Quem responderá pelo excesso cometido? Quem faz a pergunta é o penalista e ele próprio responde: "O médico se esquivará, eticamente , pelo anúncio prévio dos riscos envolvidos. A sociedade se escudará com a lei que autorize o ato. O paciente alvo da lobotomia que será o psicopata irrecuperável, é um ser incapaz de discernir, logo, não entenderá também a utilidade - própria e social - pretendida. Ficará a lobotomia instituída como pena corporal".


- A saturação social, diz Serrano Neves, "e a capacidade de a sociedade controlar seus mecanismos poderá, algum dia vir a exigir que exista um controle, mas este deverá ser prévio, de maneira a evitar que aquilo que não e desejável não seja produzido. Controlar por eliminação do resultado indesejado seria, quando nada, uma demonstração de impotência".


Citando um trecho de Arnaldo Niskier ("O Homem é a Meta") o criminalista diz: "parece Ter chegado o momento de reavaliarmos o processo e reconsiderarmos os limites impostos pelos interesses materiais e utilitários aos autênticos valores da vida social e da dignidade humana". E completa: "Alma Espírito. Personalidade. Deus . Significado da Vida. Tudo posto de lado para mero conforto da sociedade. Não é não.

Alvo certo: o pobre


O advogado, ainda falando sobre lobotomia, explica: "a grosso modo, tanto o desvio de comportamento, quanto a doença, assim como o defeito genético, podem gerar um psicopata criminoso. O primeiro por não Ter sido educado. O segundo pela alteração provocada pela doença. O terceiro é um anormal. A um educa-se; a outro trata-se a doença. Ao último dá-se a compaixão e o amor que se dá ao excepcional. Se existisse um direito de curar ele alcançaria apenas o doente".


Serrano Neves, alegando que não pretende enveredar por matéria médica por não Ter habilitação acadêmica, conclui no campo jurídico: "a legislação que viesse permitir a lobotomia iria imprimir, inegavelmente um retrocesso na Ciência Penal, e abriria campo para que revivêssemos outras penas corporais: decepar mão de ladrão, castrar o estuprador etc.".

- A lobotomia como alternativa da pena privativa de liberdade estaria subordinada ao consentimento do paciente. O tipo médio do criminoso alvo (semianalfabetos oriundos do extremo inferior da escala social e psicopatas) seria incapaz para consentir, e o suprimento desse consentimento só poderia fundar-se em imediato e indiscutível interesse público diante do perigo real e iminente. Como medida de segurança complementar da pena, só teria sentido se aplicada após o cumprimento daquela o que seria uma aberração: puniria duas vezes. Como causa da extinsão da punibilidade, não alcançaria a finalidade do direito como elemento de valoração do fato social", considerou Serrano Neves.


Para finalizar, expôs: "Assim, adorar a lobotomia (ou recomendá-la) como meio de fazer cessar a periculosidade do criminoso psicopata a esbarra na utilidade social: seria menos perigosos, ou menos criminosos, ou porque não também psicopatas, os ladrões dos cofres públicos, os adulteradores de alimentos , os defraudadores do patrimônio social, os corruptos, os charlatões, os amorais, os agiotas, os atravessadores, todos aqueles que se alinha sob o título criminoso de "colarinho branco", os quais, deliberadamente, matam, envenenam, espalham miséria e fome... O alvo certo seria o pobre demente agressivo ou seria melhor rearmar a guilhotina e prescrever a todos a cefalotomia".


© Página pessoal de SERRANO NEVES - http://www.serrano.neves.nom.br/

Um comentário:

Wandirley Filho disse...

O Estado e sociedade sempre querendo utilizar da solução mais fácil e econômica para resolver as questões penais, sem levar em conta que estão lidando com um ser humano. Contudo, o Estado nunca assumi a sua responsabilidade no processo educacional do indíviduo.

Como o senhor mesmo diz o Estado prefere aplicar veneno nas "baratas" que limpar o ambiente que se encontra-se sujo, sendo esta a causa do surgimento e proliferação destes insetos.