A Constituição da República assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o que foi eleito como sendo o princípio da inocência.
A
construção constitucional assinala dois estados:
1.
não culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;
2.
culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Não-culpado
é um estado ou situação jurídica peculiar daquele que está sendo
acusado pela prática de um fato diante de circunstâncias que
autorizem induzir que tenha praticado o fato imputado e, por
consequência, culpado é o estado ou situação jurídica daquele
acusado que foi submetido a um processo legal que transitou em
julgado.
Inocente
é uma palavra composta, originada no latim, que tem a ver com
não-nocivo (in + nocens), logo, inocente é aquele que não praticou
o mal imputado.
A
absolvição penal ocorre nos caso elencados no Código de Processo
Penal - a seguir.
Art.
386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte
dispositiva, desde que reconheça:
I
- estar provada a inexistência do fato;
II
- não haver prova da existência do fato;
III
- não constituir o fato infração penal;
IV
– estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
(Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
V
– não existir prova de ter o réu concorrido para a infração
penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI
– existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu
de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28,
todos
do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua
existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de
2008)
VII
– não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído
pela Lei nº 11.690, de 2008)
Os
únicos casos de INOCÊNCIA são o I e o IV por inexistência de
vínculo causal, ou seja: a proposição penal é falsa ou a
proposição penal é negada, os demais são casos de ABSOLVIÇÃO, a
proposição penal pode ser verdadeira mas não pode ser afirmada.
O
contrário do art. 386 é a condenação ou declaração de CULPA
porque a proposição penal é verdadeira e pode ser afirmada.
Inocentes
não podem ser processados porque a denúncia válida deve conter uma
atribuição de culpa (não há crime sem culpa, logo, não há
denúncia sem culpa).
Apenas
os que se apresentam com culpa suficiente para uma denúncia válida
podem ser processados, então, a proteção constitucional é
relativa ao devido processo legal de atribuição de culpa suficiente
para uma condenação imutável, e a reserva de NÃO-CULPADO preserva
que os casos II, III, V, VI, VII de absolvição possam incidir sobre
culpado pelo fato (recebimento
das
denúncia) mas não culpado para a pena (improcedência da denúncia),
aos quais se soma o caso de absolvição por ausência de
culpabilidade no qual o acusado é culpado pelo fato e culpado para a
pena.
Todos
os casos do art. 386 são de absolvição, mas apenas em dois casos o
INOCENTE é absolvido, pois nos demais a absolvição recai sobre um
culpado. Então, a proteção constitucional ao invés de atribuir ao
acusado um estado de inocência apenas impede que efeitos da ação
penal o alcancem antes do trânsito em julgado.
Não
se trata de blindagem contra a culpa, conquanto assim tenha sido
utilizada juntamente com outra falácia, a de que indício não é
prova.
Indício
nunca foi prova e nunca será porque "prova" é uma
operação lógica de demonstração de atribuição, de sorte que,
existindo indícios da culpa a denúncia é valida e, pela teor da
denúncia indiciária a acusação, via contraditório, provará que
é o fato é crime e o denunciado o autor.
Indício
- forma lógica legal do art. 239 do CPP - é a tal da "evidência"
que tanto se ouve nos filmes americanos do norte na televisão.
Evidência
é aquilo que não necessita de demonstração, aquilo para qual
compreensão não há necessidade de formulação mental ou juízo.
É
pelo critério da evidência que uma verdade se revela ao espírito
do observador: o copo está quebrado porque o observador está vendo
a sua não integridade, é o popular "está na cara", mas
não é possível afirmar que uma pessoa deitada na cama com os olhos
fechados e em posição de repouso esteja dormindo, caso em que a
pessoa deitada com os olhos fechados é uma evidência mas estar
dormindo depende de uma demonstração porque "não está na
cara".
Evidência
e prova tem vinculo essencial com ninguém ser obrigado a produzir
prova contra si mesmo e o princípio da veracidade dos atos
administrativos, nesta sede cuidando da notificação das infrações
de trânsito, em especial a "embriaguez".
É
certo que o álcool ou substância psicoativa que provoque embriaguez
ou alteração física ou dos sentidos não é uma evidência, mas os
sinais conhecidos e reconhecidos dessas alterações são evidências.
A
aptidão física e mental é o primeiro requisito para obtenção da
habilitação (art. 147, I, CTB). Os demais requisitos se referem à
aquisição e demonstração de ter atingido o nível de habilidade
necessário para a condução de veículo, logo, a deterioração ou
perda da aptidão física ou mental e da habilidade são impeditivos
da condução, tanto que tais são verificados periodicamente, e esta
é a hipótese geral de não-condução que atende ao CTB
Art.
6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:
I
- estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com
vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa
ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu
cumprimento;
Art.
165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência:
Art.
166. Confiar ou entregar a direção de veículo a pessoa que, mesmo
habilitada,
por
seu estado físico ou psíquico, não estiver em condições de
dirigi-lo com segurança.
Art.
252. Dirigir o veículo:
III
- com incapacidade física ou mental temporária que comprometa a
segurança do trânsito;
A
eleição de infrações penais veio pareada com as infrações
penais:
Art.
166. Confiar ou entregar a direção de veículo a pessoa que, mesmo
habilitada,
por
seu estado físico ou psíquico, não estiver em condições de
dirigi-lo com segurança.
Art.
310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor
a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito
de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde,
física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições
de conduzi-lo com segurança:
Ambos
artigos refletem o objetivo da segurança e o art. 306 trás novo
verbo nuclear (permitir), acresce elementos objetivos relativos à
habilitação e traz como alternativa “ou por embriaguez”,
no caso, como gênero.
Para
efeito de atender ao objetivo da segurança a embriaguez pode ser
definida como a perda parcial ou total da capacidade “mental”
para dirigir veículo. Tal perda é representada por “sinais”
exteriores (evidências, ou circunstâncias provadas) que autorizem
induzir que o condutor está embriagado ou num estado de deficit de
segurança, independente da causa, visto que, para exatos efeitos da
segurança tanto representa não-segurança o condutor com crise de
hipotensão como o drogado.
Desta
sorte, a incursão nos art. 165 e 366 pode ser constatada pelo agente
legal de trânsito que intervém no curso da direção dada a
evidência o estado do condutor, o que ocorre também com o autor do
art. 310 cujo dolo é direto: exige conhecimento sobre a habilitação
ou estado da pessoa.
Neste
caso o condutor é a própria prova produzida por evidência.
Diferentemente:
Art.
165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência:
Art.
306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6
(seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência:
Sem
referência expressa ao objetivo de segurança, é razoável
interpretar em ambos que a influência do álcool é de notório e
científico resultado embriagante (1) que pode estar aparente,
evidente, e a hipótese probatória volta para a anterior (art. 310),
na qual não há crime de “mãos próprias” mas apenas infração
administrativa.
Os
elementos dos tipos do 165 e 310 exigem perícia invasiva (coleta de
material para exame) da pessoa e é certo entender a legítima
recusa.
Como
os tipos fazem referência à influência e não a estado, a
embriaguez é inexigível para aperfeiçoamento, logo, seriam
infrações de atentado à segurança, e a palavra segurança aparece
dezesseis vezes no CAPÍTULO III - DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO
E CONDUTA, logo, é crime de atentado, visto que parcela considerável
da segurança do trânsito é de responsabilidade dos condutores de
veículos e é expressa em relação ao modo de condução e ao seu
estado de saúde físico ou mental.
Cumpre,
então, aos condutores cumprir tais regras pois o rol de infrações,
no grosso, está vinculado a uma regra de segurança a eles cometida
implementar.
É
do condutor o ônus da prova de estar em estado de segurança pessoal
ou veicular, dado que ao receber a habilitação obrigou-se ao
cumprimento das normas. Assim, ao ser confrontado em relação ao
cumprimento de norma cujo descumprimento não seja uma evidência
cabe-lhe provar o adimplemento, sob pena de não o fazendo o credor
poder firmar que o devedor não cumpriu.
É
a denominada culpa contra a legalidade que, no particular do
trânsito, é tratada no Protocolo de São Luiz sobre matéria de
responsabilidade civil por acidente de trânsito, promulgado pelo
Brasil pelo DECRETO Nº 3.856, DE 3 DE JULHO DE 2001,
evidentemente por não entrar em colisão com o direito pátrio.
A
ausência de culpa contra a legalidade (capacidade para conduzir), na
hipótese do art. 306, deve ser provada pelo condutor ao tempo da
ação, sob pena de poder ser presumida a incapacidade e a culpa
contra a legalidade.
O
finalismo do CTB é preservar a integridade da pessoa humana
envolvida no trânsito. A ordem e a disciplina no trânsito são
meios para tal preservação, num cenário de riscos tão conhecidos
que o simples desrespeito formal a regras de é considerado atentado
à segurança.
Então,
não se confunda o direito de não produzir prova contra si mesmo com
o dever de produzir prova do estado de legalidade exigido pela ação
que pratica.
Fugir
do bafômetro não é um direito, é um ônus, dado que a culpa
contra a legalidade pode ser presumida contra aquele que tem a
obrigação de provar a legalidade.
Oferecer
o bafômetro é oferecer o meio de prova da legalidade exigida, mas o
condutor não está obrigado a provar a legalidade, caso em que
sucumbe no ônus de prová-la.
Não
creio que os juízes, no caso do art. 306, venham a proferir
condenação na ausência do laudo pericial, mas reparo que no caso
das drogas condenam com fundamento numa afirmação feita por
evidência: parece maconha, tem cheiro de maconha, está embrulhado
como maconha, mas não é possível dizer que contenha THC, ou seja:
a presunção de o que parece é, e o fazem com o senso do perigo que
a maconha representa para a sociedade.
A
proposta de uma lei absolutamente seca, em nada melhora o cenário da
culpa contra a legalidade:
"Art.
306. Conduzir veículo automotor sob influência de álcool ou
substância psicoativa que determine dependência"
Colocar
a casa em ordem e fazer manutenção para que os insetos não se
façam presentes é mais oneroso do que comprar inseticida e
aplicá-lo.
Mutatis
mutandis, é o que venho falando faz bastante tempo e repito: o
Direito Penal foi escolhido como o viagra para combater a impotência
instrumental de governo.
Imagem?
tonafolga.com
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