3 de fevereiro de 2012

VISITANDO O "PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA"


A Constituição da República assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o que foi eleito como sendo o princípio da inocência.

A construção constitucional assinala dois estados:

1. não culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
2. culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.


Não-culpado é um estado ou situação jurídica peculiar daquele que está sendo acusado pela prática de um fato diante de circunstâncias que autorizem induzir que tenha praticado o fato imputado e, por consequência, culpado é o estado ou situação jurídica daquele acusado que foi submetido a um processo legal que transitou em julgado.

Inocente é uma palavra composta, originada no latim, que tem a ver com não-nocivo (in + nocens), logo, inocente é aquele que não praticou o mal imputado.

A absolvição penal ocorre nos caso elencados no Código de Processo Penal - a seguir.

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28,
todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de
2008)
VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Os únicos casos de INOCÊNCIA são o I e o IV por inexistência de vínculo causal, ou seja: a proposição penal é falsa ou a proposição penal é negada, os demais são casos de ABSOLVIÇÃO, a proposição penal pode ser verdadeira mas não pode ser afirmada.

O contrário do art. 386 é a condenação ou declaração de CULPA porque a proposição penal é verdadeira e pode ser afirmada.

Inocentes não podem ser processados porque a denúncia válida deve conter uma atribuição de culpa (não há crime sem culpa, logo, não há denúncia sem culpa).

Apenas os que se apresentam com culpa suficiente para uma denúncia válida podem ser processados, então, a proteção constitucional é relativa ao devido processo legal de atribuição de culpa suficiente para uma condenação imutável, e a reserva de NÃO-CULPADO preserva que os casos II, III, V, VI, VII de absolvição possam incidir sobre culpado pelo fato (recebimento
das denúncia) mas não culpado para a pena (improcedência da denúncia), aos quais se soma o caso de absolvição por ausência de culpabilidade no qual o acusado é culpado pelo fato e culpado para a pena.

Todos os casos do art. 386 são de absolvição, mas apenas em dois casos o INOCENTE é absolvido, pois nos demais a absolvição recai sobre um culpado. Então, a proteção constitucional ao invés de atribuir ao acusado um estado de inocência apenas impede que efeitos da ação penal o alcancem antes do trânsito em julgado.

Não se trata de blindagem contra a culpa, conquanto assim tenha sido utilizada juntamente com outra falácia, a de que indício não é prova.

Indício nunca foi prova e nunca será porque "prova" é uma operação lógica de demonstração de atribuição, de sorte que, existindo indícios da culpa a denúncia é valida e, pela teor da denúncia indiciária a acusação, via contraditório, provará que é o fato é crime e o denunciado o autor.

Indício - forma lógica legal do art. 239 do CPP - é a tal da "evidência" que tanto se ouve nos filmes americanos do norte na televisão.

Evidência é aquilo que não necessita de demonstração, aquilo para qual compreensão não há necessidade de formulação mental ou juízo.

É pelo critério da evidência que uma verdade se revela ao espírito do observador: o copo está quebrado porque o observador está vendo a sua não integridade, é o popular "está na cara", mas não é possível afirmar que uma pessoa deitada na cama com os olhos fechados e em posição de repouso esteja dormindo, caso em que a pessoa deitada com os olhos fechados é uma evidência mas estar dormindo depende de uma demonstração porque "não está na cara".

Evidência e prova tem vinculo essencial com ninguém ser obrigado a produzir prova contra si mesmo e o princípio da veracidade dos atos administrativos, nesta sede cuidando da notificação das infrações de trânsito, em especial a "embriaguez".

É certo que o álcool ou substância psicoativa que provoque embriaguez ou alteração física ou dos sentidos não é uma evidência, mas os sinais conhecidos e reconhecidos dessas alterações são evidências.

A aptidão física e mental é o primeiro requisito para obtenção da habilitação (art. 147, I, CTB). Os demais requisitos se referem à aquisição e demonstração de ter atingido o nível de habilidade necessário para a condução de veículo, logo, a deterioração ou perda da aptidão física ou mental e da habilidade são impeditivos da condução, tanto que tais são verificados periodicamente, e esta é a hipótese geral de não-condução que atende ao CTB

Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:

I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Art. 166. Confiar ou entregar a direção de veículo a pessoa que, mesmo habilitada,
por seu estado físico ou psíquico, não estiver em condições de dirigi-lo com segurança.

Art. 252. Dirigir o veículo:

III - com incapacidade física ou mental temporária que comprometa a segurança do trânsito;

A eleição de infrações penais veio pareada com as infrações penais:

Art. 166. Confiar ou entregar a direção de veículo a pessoa que, mesmo habilitada,
por seu estado físico ou psíquico, não estiver em condições de dirigi-lo com segurança.

Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:

Ambos artigos refletem o objetivo da segurança e o art. 306 trás novo verbo nuclear (permitir), acresce elementos objetivos relativos à habilitação e traz como alternativa “ou por embriaguez”, no caso, como gênero.

Para efeito de atender ao objetivo da segurança a embriaguez pode ser definida como a perda parcial ou total da capacidade “mental” para dirigir veículo. Tal perda é representada por “sinais” exteriores (evidências, ou circunstâncias provadas) que autorizem induzir que o condutor está embriagado ou num estado de deficit de segurança, independente da causa, visto que, para exatos efeitos da segurança tanto representa não-segurança o condutor com crise de hipotensão como o drogado.

Desta sorte, a incursão nos art. 165 e 366 pode ser constatada pelo agente legal de trânsito que intervém no curso da direção dada a evidência o estado do condutor, o que ocorre também com o autor do art. 310 cujo dolo é direto: exige conhecimento sobre a habilitação ou estado da pessoa.

Neste caso o condutor é a própria prova produzida por evidência.

Diferentemente:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Sem referência expressa ao objetivo de segurança, é razoável interpretar em ambos que a influência do álcool é de notório e científico resultado embriagante (1) que pode estar aparente, evidente, e a hipótese probatória volta para a anterior (art. 310), na qual não há crime de “mãos próprias” mas apenas infração administrativa.

Os elementos dos tipos do 165 e 310 exigem perícia invasiva (coleta de material para exame) da pessoa e é certo entender a legítima recusa.

Como os tipos fazem referência à influência e não a estado, a embriaguez é inexigível para aperfeiçoamento, logo, seriam infrações de atentado à segurança, e a palavra segurança aparece dezesseis vezes no CAPÍTULO III - DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA, logo, é crime de atentado, visto que parcela considerável da segurança do trânsito é de responsabilidade dos condutores de veículos e é expressa em relação ao modo de condução e ao seu estado de saúde físico ou mental.

Cumpre, então, aos condutores cumprir tais regras pois o rol de infrações, no grosso, está vinculado a uma regra de segurança a eles cometida implementar.

É do condutor o ônus da prova de estar em estado de segurança pessoal ou veicular, dado que ao receber a habilitação obrigou-se ao cumprimento das normas. Assim, ao ser confrontado em relação ao cumprimento de norma cujo descumprimento não seja uma evidência cabe-lhe provar o adimplemento, sob pena de não o fazendo o credor poder firmar que o devedor não cumpriu.

É a denominada culpa contra a legalidade que, no particular do trânsito, é tratada no Protocolo de São Luiz sobre matéria de responsabilidade civil por acidente de trânsito, promulgado pelo Brasil pelo DECRETO Nº 3.856,  DE 3 DE JULHO DE 2001, evidentemente por não entrar em colisão com o direito pátrio.

A ausência de culpa contra a legalidade (capacidade para conduzir), na hipótese do art. 306, deve ser provada pelo condutor ao tempo da ação, sob pena de poder ser presumida a incapacidade e a culpa contra a legalidade.

O finalismo do CTB é preservar a integridade da pessoa humana envolvida no trânsito. A ordem e a disciplina no trânsito são meios para tal preservação, num cenário de riscos tão conhecidos que o simples desrespeito formal a regras de é considerado atentado à segurança.

Então, não se confunda o direito de não produzir prova contra si mesmo com o dever de produzir prova do estado de legalidade exigido pela ação que pratica.

Fugir do bafômetro não é um direito, é um ônus, dado que a culpa contra a legalidade pode ser presumida contra aquele que tem a obrigação de provar a legalidade.

Oferecer o bafômetro é oferecer o meio de prova da legalidade exigida, mas o condutor não está obrigado a provar a legalidade, caso em que sucumbe no ônus de prová-la.

Não creio que os juízes, no caso do art. 306, venham a proferir condenação na ausência do laudo pericial, mas reparo que no caso das drogas condenam com fundamento numa afirmação feita por evidência: parece maconha, tem cheiro de maconha, está embrulhado como maconha, mas não é possível dizer que contenha THC, ou seja: a presunção de o que parece é, e o fazem com o senso do perigo que a maconha representa para a sociedade.

A proposta de uma lei absolutamente seca, em nada melhora o cenário da culpa contra a legalidade:

"Art. 306. Conduzir veículo automotor sob influência de álcool ou substância psicoativa que determine dependência"

Colocar a casa em ordem e fazer manutenção para que os insetos não se façam presentes é mais oneroso do que comprar inseticida e aplicá-lo.

Mutatis mutandis, é o que venho falando faz bastante tempo e repito: o Direito Penal foi escolhido como o viagra para combater a impotência instrumental de governo.

Imagem? tonafolga.com

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