15 de setembro de 2012

CRIMES DE PRECONCEITO DISCRIMINATÓRIO




ou A Função Social do Relho(*) no Lombo.

Preconceito, grosso modo, é a idéia formada sobre um sujeito ou um objeto a partir da percepção de sua expressão ou aparência, sem a necessária análise da significância de um e de outro, e pode ser visto, também a impressão causada na mente do observador segundo seu individual corpo de conhecimentos e constante de deformação da percepção.

O preconceito, do ponto de vista do observador, forma uma opinião, e opinião é a conclusão emitida com o receio de estar errado, seja filosoficamente, seja do ponto de vista leigo no qual a opinião é emitida - em geral - com a ressalva "para mim ... é assim", podendo também ter origem histórica e fazer parte da cultura de um povo.

O preconeito se forma a partir de informação superficial sobre a significância do sujeito ou objeto ou a partir da própria conjuntura pessoal comparada com a percepção da diferença com outras pessoas e coisas.

O preconceito é inerente à vida em sociedade e se concretiza dentro da própria dinâmica social através de escolhas (... não vou morar em bairro de pobre ...) ou discriminação (... não quero pobre andando no bairro em que moro ...).

Mesmo sem profundidadade científica é possível dizer que o preconceito é um atentado contra os valores humanos para o convívio, e pode ter como origem a falta de aptidão, conhecimento ou habilidade para lidar com o sujeito ou com a coisa, vindo desde os tempos biblicos quando os leprosos eram confinados em áreas remotas das periferias das cidades por serem "imundos", questão que foi resolvida pela ciência - que colocou a doença sob controle inibindo sua transmissão por convívio - e não há mais confinamento.

Hoje os leprosos convivem, porém incógnitos, pois a informação bíblica sobre a "imundície" se sobrepõe à informação sobre o controle efetivo e o preconceito discriminatório se concretiza.

Quando o HIV se tornou um problema a segregação ou confinamento foi a primeira idéia que surgiu porque não se sabia lidar com a AIDS, o que foi desfeito com a formação de conhecimento e difusão de meios e modos de prevenção do contágio, de sorte a preservar o convívio entre portadores e não-portadores. No entanto, os soropositivos tem suas associações, pois sua situação tem nuances psicológicas que nós, cá de fora, não somos capazes de compreender, conquanto sejamos capazes de aceitar, e aceitamos em nome do convívio.

Desta sorte, o preconceito discriminatório parece ter origem na incapacidade de reconhecer a significância do sujeito ou objeto para o convívio social, e conviver. Tal incapacidade que, paradoxalmente conduz ao preconceito contra o preconceituoso - tem suas raízes na falta de conhecimento ou na recusa a adquirí-lo, permitindo classificar o preconceito como culposo ou doloso do ponto de vista da formação da vontade que irá orientar a conduta dos preconceituosos.

Em tese, é desejada uma conduta de humana convivência com os "diferentes", mas como a "diferença" é o vetor da formação do preconceito, é necessário adquirir a capacidade para "entender o caráter da diferença e determinar-se de acordo com esse entendimento", grosso modo, existe uma certa "inimputabilidade" no preconceituoso, ou até uma "semi-imputabilidade", antes de chegar à conclusão de que é inteiramente capaz para não formar preconceito e conduzir-se do modo socialmente desejado.

Então, antes de ser proposto - como o foi como emenda ao projeto do Novo Código Penal por sugestão da Associação Brasileira de Psiquiatria - a definição do crime de preconceito discriminatório - é necessário esgotar os meios e modos de "educação para o convívio com humanos diferentes" sob pena de o legislador vir a redigir uma declaração de impotência para a governança política da sociedade.

Sem caráter pejorativo, comparo que o cavalo racionalmente adestrado recebe o arreio (interação com o cavaleiro) sem dar coices, mas é sem razoabilidade esperar que o cavalo chucro que escoiceia ao sentir o arreio no lombo (conduta exigida) relinche uma "reclamação procedente" ou "saiba de antemão" que o convívio com o cavaleiro foi eleito como um "bem jurídico" a ser protegido, e que sua conduta diversa resultará em "relho no lombo".

Os ataques doutrinários ao projeto do Novo Código Penal são uma tentativa de evitar o nascimento de um monstro, dado que genéticamente teratológico ao invés de receber "tratamento" pode receber genes que lhe aumentem a deformidade.

Ou - e eu não queria dizer isto, mas digo - será um código preconceituso e discriminatório em relação àqueles que não receberam educação para o convívio a partir de valores humanos.

Para a classe dominante a educação, para o resto o Direito Penal e o voto para que possam escolher (democraticamente) quem lhes meterá o "relho no lombo".

(*) Relho é um artefato feito de tiras de couro trançadas, ou uma tira torcida, destinado a infligir estímulo doloroso a um animal.

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